Acadêmica - Ely Vieitez Lisboa (1934 - 2024)
Ely Vieitez – que nasceu com Carvalho no nome, recebeu o sobrenome Lanes, do primeiro casamento com Moacir Lanes, substituído por Lisboa em segundas núpcias com Jugurta de Carvalho Lisboa – é filha de José Vieitez Muradas e Lázara Carvalho Vieitez, nascida em 21 de dezembro de 1934 em Pratápolis, MG (ribeirão-pretana por circunstância, em 1948, cidadã local por escolha e por amor quando adulta, depois com cidadania reconhecida e oficializada pela Câmara Municipal de Ribeirão Preto, em 1996 – e falecida em 15 de agosto de 2024 em Ribeirão Preto, tendo sido sepultada aqui em seu Cemitério da Saudade, na Avenida da Saudade, nº 1775, Bairro Campos Elíseos.
Cursou 1º Grau na Escola Normal “Paulo Frassinetti”, em São Sebastião do Paraíso, MG, e depois no Colégio Santa Úrsula, em Ribeirão Preto, SP, equivalentes da 1ª à 4ª séries atuais. O 2º Grau, no Instituto de Educação “Otoniel Mota”, em Ribeirão Preto, SP, equivalentes da 5ª à 8ª séries atuais. Cursou Escola Normal ou Magistério na Escola Livre “Dona Sinhá Junqueira”, em Ribeirão Preto, SP, equivalente ao 2º Grau atual.
Sua formação universitária, em Letras, e pós-graduação, em Língua Francesa e mestrado em Semiótica e Estudos Literários, deram-se respectivamente na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Santa Maria”, em Belo Horizonte, MG, na “Alliance Française “, em Paris, França, e na Universidade Estadual “Júlio Mesquita Filho” (UNESP), em Araraquara, SP.
Foi titular da Cadeira de Língua Portuguesa, conforme Parecer do Conselho Federal de Educação nº 897/68 - Doc. Fl. 58, na Instituição Universitária “Moura Lacerda”, de 1969 a 1981, onde exerceu as funções: de professora assistente de Teoria Literária em 1970 e 1974; chefia do Departamento de Letras de 1970 a 1981; titular da Cadeira de Literatura Brasileira, conforme Parecer do Conselho Federal de Educação nº 1223/74, Processo 6726/74, de 1969 a 1981; docente fundadora, orientadora e coordenadora do Laboratório de Literatura de Ribeirão Preto como curso de extensão universitária reconhecido pelo CESEP – Centro de Estudos Superior e Pesquisa, em 1975.
Exerceu o magistério como professora contratada para lecionar as disciplinas de Português e Francês no Colégio Estadual “Alberto Santos Dumont” de 1965 a 1968. Professora Efetiva de Português no Colégio Estadual de Jardinópolis de 1964 a 1968. Professor interina de Francês no Ginásio Estadual de Pontal de 1961 a 1962. Professora substituta de Francês no Instituo de Educação “Otoniel Mota” de 1961 a 1962. Professora Efetiva de Português no Colégio Estadual “Professora Eugênia Vilhena de Morais” de 1968 a 1988 (onde foi homenageada como nome da Biblioteca “Ely Vieitez Lisboa”). Coordenadora do Laboratório de Redação do Curso e Colégio “Oswaldo Cruz” (COC) de 1987 a 1993, quando também lecionou a disciplina Interpretação de Texto.
Fez inúmeros cursos de educação continuada como Civilisation Française, na Sorbonne, Paris, França, em 1968; Literatura Brasileira Contemporânea, São Paulo, 1969; I Seminário de Literatura Brasileira, Ribeirão Preto, 1971; English Fonetics, Ribeirão Preto, 1971; Extensão universitária em Literatura Portuguesa, Ribeirão Preto, 1972; Extensão Universitária em Teoria Literária, Ribeirão Preto, em 1972; Simpósio Perspectiva da Literatura Contemporânea, Rio Claro, em 1975; Congresso Nacional de Literatura Infantil e Festival de Teatro Infantil, na UFMG, Belo Horizonte, em 1975; II Encontro Nacional de Professores de Literatura, PUC, Rio de Janeiro, em 1975; I Simpósio de Literatura Brasileira, Ribeirão Preto, 1994; I Encontro Nacional de Escritores de Pernambuco, Recife, em 1995; II Encontro Internacional de Poetas, Coimbra, Portugal, em 1995.
É membro efetivo e titular da Cadeira 10, cujo patrono é José Martiniano de Alencar, na Academia Ribeirãopretana de Letras (ARL); membro da União Brasileira de Escritores (UBE); membro honorário e correspondente da Academia Interamericana de Literatura e Jurisprudência de Anápolis, GO, e de inúmeras outras academias congêneres.
Em 1996, sendo natural de Pratápolis, MG, recebeu o título de CIDADÃ RIBEIRÃO-PRETANA na Câmara Municipal de Ribeirão Preto, cidade para onde ela veio ainda muito jovem, em 1948, com 14 anos incompletos, e aqui construiu toda a sua trajetória profissional, literária e de cidadã local.
É autora de 14 obras, algumas sobre escrita criativa, e outras literárias: Cadernos de Literatura, volumes 1, 2 e 3, editora Moura Lacerda, 1973; Ensaios sobre a Obra de Osman Lins, editora Ellos, 1973; Perspectivas da Literatura segundo Goldberg, editora Moura Lacerda, 1975; Laboratório de Literatura, editora Estrutura, 1978; A Encantadora de Serpentes, editora João Scortecci, 1989; O Outro Lado, editora João Scortecci, 1989; O Pouso das Águias, editora João Scortecci, 1989; Senhora das Sombras, editora Massao Ohno, 1994; Minhas Estórias, editora COC, 1994; Paixão Desmedida, editora Mania de Livros, 1996; Cânticos de Amor ao Amado, editora Mania de Livros, 1996; Os Girassóis de Girona, editora Mania de Livros, 1999; Cartas a Cassandra, editora Funpec, 2003; Replantio de Outono, editora Funpec, 2008; e Tempo de Colher, editora Funpec, 2010. Todas as edições acima referem-se à “1ª Edição”; várias obras foram reeditadas, a maioria delas pela Funpec, que acabou per ser a última e definitiva editora a publicar as obras da autora.
Organizou e dirigiu várias antologias, abrindo espaço a inúmeros escritores iniciantes, estimulando-os a continuar produzindo literatura e publicando obras-solo. Entre as antologias destacam-se: Cantata in Multivozes, editora Ribeirão Gráfica, 1992; Versando em Tons (Di)Versos, editora João Scortecci, 1994; Uni / Versos, editora Mania de Livros, 1997; Sarça Ardente, editora Funpec, 2002; e Ave, Palavra!, editora Funpec, 2009.
Ely Vieitez Lisboa foi a incentivadora e responsável pela publicação da obra No Fundo do Baú, editora Funpec, 2013, crônicas e contos de autoria de Jugurta de Carvalho Lisboa, seu esposo de segundas núpcias, falecido em 2021, vitimado pela doença da Covid 19, durante a pandemia de Coronavírus.
Foi fundadora, organizadora e mantenedora do Grupo Literário Flamboyant, que iniciou suas atividades em março de 1990, reunindo pessoas de formação diversa e que tinham o amor pela literatura como ponto em comum, uma vez por semana, no Edifício Santa Lídia, na Rua Américo Brasiliense, nº 405, no centro de Ribeirão Preto, SP, onde ela também lecionava aulas de escrita criativa no Laboratório de Redação de Ribeirão Preto para vestibulando, concursando ou quem buscava a melhoria de sua própria escrita. Muitos participantes do Flamboyant vieram a publicar livros de autoria própria. Como tudo na vida naturalmente tem seu tempo, o Flamboyant, depois de 16 anos de atividades ininterruptas, encerrou suas atividades em 2006.
Manteve ativa, de 1986 a 1991, a coluna semanal Literatura Hoje e Sempre no Jornal impresso “A Cidade”, o diário mais tradicional de Ribeirão Preto, até suas edições se tornarem 100% digital em 01 de novembro de 2018, depois de 114 anos de circulação de suas edições impressas. Também publicou mais de uma centena de artigos na Folha de S. Paulo, outros jornais locais e regionais e no Linguagem Viva de São Paulo, este um tabloide literário mensal fundado em setembro de 1989, por Adriano Nogueira (1928 - 2004) e Rosani Abou Adal.
Foi fundadora, diretora e supervisora dos jornais Boca Amarela, de Jardinópolis, SP, e Alvorada de Ribeirão Preto, de 1964 a 1968 e conselheira editorial das publicações da editora Moura Lacerda.
Ely sempre transcendeu os muros das escolas onde lecionou e, com ela, levou, estimulou, motivou, criou oportunidades e abriu portas a uma legião de alunos e colegas de profissão. Uma educadora no sentido completo do termo, sobretudo um exemplo e uma mestra para muitos.
Considerações diversas
Quando, nos Anos 70, Ely teve contato com Jacob Pinheiro Goldberg, nascido em 1933, um intelectual, acadêmico, psicólogo, advogado, assistente social e escritor brasileiro de origem judaica polonesa, que a incentivou a criar o Laboratório de Literatura, porque ele acreditava que este seria um local onde se pudessem “empregar técnicas e estímulos para o desenvolvimento dos potenciais de criatividade do ser humano”.
Ely também acreditava nisso. Goldberg lançou o repto em 1974, aceito por ela, que colocou o desafio em prática ao reunir um grupo de alunos dela, oriundos da Faculdade de Letras, e outros aficionados por literatura e pela escrita criativa, inicialmente nas dependências da Instituição Moura Lacerda, na Rua Padre Euclides, nº 995, Bairro Campos Elíseos, em Ribeirão Preto, SP. Este trabalho tinha também como base uma obra da própria Ely, Perspectiva da Literatura segundo Goldberg, publicada pela Editora Moura Lacerda, em 1975.
O Laboratório iniciou suas atividades em 1976. Um ano depois, a sementeira brotou e muitos textos interessantes vieram à luz. Esta experiência está registrada e pode ser conferida no livro Laboratório de Literatura, publicado pela Editora Estrutura Ltda, em 1978. Desde então, Ely adotou, melhorou e ampliou as técnicas aplicadas e passou a utilizá-las junto a centenas, talvez milhares, de alunos e não-alunos em busca da linguagem em suas estruturas mais profundas, com especial predileção pela linguagem poética. Frutos a mancheia continuam espalhados pelo mundo afora replicando seus ensinamentos.
As palavras de Goldberg, em sua obra O Dia em que Deus Viajou, expressam, de algum modo, a importância do trabalho dele e de Ely: “Criar novas formas de relacionamento do homem com o homem, com a natureza – dar asas aos sapos – este o objetivo final da imaginação literária”.
No livro de contos O Pouso das Águias, Ely afirma que “já se comparou a criação literária com águias, que, soltas, não se sabe onde pousa. Mas pousam”. Como se pode ver, está presente o conceito de ‘asas’, sejam estas em ‘sapos’ – os que têm potencial e não se deram conta disso – sejam em ‘águias’ – os que desfrutam de condições favoráveis para grandes voos – e o céu da criatividade é o limite. Despertar o que cada um de nós esconde em suas entranhas é o papel do parto doloroso da arte literária. Em outro livro de contos, O Outro Lado, Ely faz uso da epígrafe “A gente sabe mais, de um homem, é o que ele esconde”, do bruxo de Cordisburgo, MG, João Guimarães Rosa.
Depois dos dois livros de contos, surge seu primeiro livro de poesia, A Encantadora de Serpentes, que atesta a epígrafe rosiana acima. Nas palavras de outra escritora ribeirão-pretana, Nilva Mariani, que a apresenta sua poesia aos leitores, diz: “Poesia densa, profunda, que não se perde em amenidades, melhor, em que as amenidades, quando surgem, diluem-se em favor da intensidade da mundividência (...) Poesia cheia de símbolos... de certo erotismo contido e delicado... de surpreendentes lances de lirismo contrastando com a densidade de outros poemas... Poesia madura, sólida e elaborada”. Em prosa ou em verso, Ely já se apresenta como uma autora de alto nível de qualidade literária, seja na forma, seja no conteúdo.
Embora escreva predominantemente para leitores adultos, Ely também ousou escrever para um público mais jovens quando publicou Minhas Estórias, em cuja reedição João Scortecci, de 1996 (a primeira foi em 1994, pela editora COC), nós tivemos a honra de escrever sua “orelha” à guisa de prefácio, com o título De Adolescentes e de Bichos, onde afirmamos que aquelas eram “estórias de todos nós, adolescentes de janelas abertas para o mundo, inconformados com os valores dos adultos (...) A linguagem é ajustada ao público jovem. É leve, solta, coloquial, sem excessos. O estilo é enxuto, conciso, sem digressões, conta o episódio apenas e os leitores tiram dele as próprias conclusões. São narrativas abertas, modernas. Leitura saborosa, atraente”.
Muitas outras obras vieram na sequência que mostram uma autora com pleno domínio dos níveis de linguagem, consciente de seus segredos - na teoria ou na vivência – por ter bebido no contato com o mais variado público jovem, como educadora, e com as pessoas comuns, experimentando o lado crespo e adverso da vida, enfrentando alguns momentos de sofrimento e dor dos quais nenhum de nós consegue fugir.
Suas obras, a partir de Senhora das Sombras, publicada em 1994 pela Massao Ohno Editora e reeditada em 2014 pela Funpec Editora, atinge a plenitude da maturidade literária, que já existia em suas primeiras obras, e seu ápice em Cartas a Cassandra, um romance epistolar – primeira edição em 2002 e reeditada em 2017 pela Funpec – e em Replantio de Outono, de 2008, também pela Funpec.
Sua obra Tempo de Colher, Funpec 2010, é uma obra diferente das outras. É uma seleção de 140 ensaios curtos, crônicas ou contos, que mostram o seu pensamento vivo através de vários temas didáticos-literários, publicados nos mais diferentes jornais locais, regionais e em seus livros. Pode-se afirmar que é um balanço da rica trajetória profissional, literária e humana de Ely, cujas antenas estavam sempre a captar a estrutura profunda do que contemporaneamente acontecia, como atesta o irônico, ácido e bem-humorado prefácio do acadêmico, professor, escritor e refinado intelectual Edward Lopes. Ler Tempo de Colher é indispensável para entender as entranhas da alma de Ely Vieitez Lisboa.
Enfim...
Ely Vieitez Lisboa foi muito mais do que os dados acima. Ela mesma gostava de dizer que ela era professora, que nascera para isso e não sabia fazer mais nada na vida além de lecionar. Bem, além da professora, temos a escritora, consciente do manejo da linguagem tratando, de forma aguda, os temas mais universais na vida das pessoas. Uma professora, escritora e uma mulher de cabeça aberta e ideias modernas adiante de seu tempo – sobretudo um educadora.
Ela gostava, entre tantos textos magníficos e provocadores, de apresentar o que transcrevemos abaixo, de John White, escritor norte-americano, nascido em 1935, autor de O Encontro da Ciência e Espírito:
EU FUI PROFESSOR DELES...
Tenho lecionado no ginásio por vários anos. Durante esse tempo, eu lecionei, entre outros, a um assassino, a um evangelista, a um pugilista, a um ladrão e a um psicótico.
O assassino era o meninozinho que se sentava no lugar da frente e me olhava com seus olhos muito azuis. O evangelista era o mais popular da escola, era o líder dos jogos entre os mais velhos. O pugilista ficava parado perto da janela, de vez em quando soltava uma gargalhada que até fazia tremer os gerânios da janela. O ladrão era um coração alegre, diria libertino, sempre com uma canção jocosa em sua boca... O psicótico, de olhar macio e dócil, bate a cabeça na parede de uma cela no hospício municipal.
Eu devo ter sido de grande ajuda para estes alunos.
Eu lhes ensinei por que se evapora a água, os nomes das plantas, a classificação dos animais e uma porção de coisas que eu nunca vi, nunca valorizei, e nas quais eu nem mesmo acreditava...
Depois de ler e refletir sobre o que nos diz John White, o leitor pode inferir sobre as preocupações que iam na alma dessa mulher extraordinária. Essa era Ely Vieitez Lisboa, que nos deixou em agosto de 2024 para ... Bem, penso que todos podemos imaginar para onde.
Ave, Mestra!